quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O caso de Mari (Conto - Tentativa IV)

- Poderíamos nos encontrar amanhã de manhã então, certo?
- Vem para cá que a gente vê de qual é de fazer os corre.
- Tá. Estarei aí pelas seis e meia.
- Vou esperar. Beijo...
- Cris...
Desligou. Maldito. Mas, se bem que agente nem pode ficar falando muito.
Melhor para fazer é tirar esse telefone do gancho... Senão, por conta de a velha ter alucinado de querer saber tudo da minha vida, a cada dez minuto vai mandar um primo, um amigo de um irmão me ligar só para pentelhar. E é sempre um saco por que conversam tanto que me deixam agoniada e acabo por falar alguma besteira. Deixo escapar alguma coisa... Mas, na real, se começar a chamar eu vou é deixar tocar esse negócio; ligo o som mais alto, tomo meu banho e desço.
Devo admitir estar um tanto insegura por conta de aquele muro ser muito alto. Encontro-me com vinte seis anos na cara e ainda me vêem essas coisas. Legalismo que se dane. Vou lá, subo pela viga de metal que sustenta o toldo da vendinha, rapidamente. Paro. Tomo cuidado por conta de ser galvanizada as telhas. Subo pelo murinho-espaço de metal da viga. Caio para dentro pela janela. Tiro os HD’s tudo. Pego os piercings e entoco dentro da mochila. Em seguida: Pixadão na parede: Otário! Pulo os 10 lances da escada já pela janela. Escoro meu peso na parede, evitando bater na porta, aperto o botãozinho e saio pela frente. Tudo bem pesado e bem medido. Sem erro. Deixo tudo em cima do jamelão e vou em seguida para a sinuca. Isso é claro, depois que o fita lá trocar a idéia, levar a cerva e fazer com que os bichos desçam para jogar o bilhar...
Até aqui, tudo certo.
Na porta do barzinho... Entro... Respiro fundo...
- Uma cerveja em lata, por favor.
Dei uma olhadela de rabo de olho na geral do lugar e já vi Glauco, vindo. Esse é um tipinho que sai na rua somente para ficar alugando a paciência de mulheres que tem muita.
- Mariana? E aí mulher... Tranqüila? Sou Glauco, das 15.
Já me veio beijando. Odeio quem vem já beijando.
- Te conheço sim. O que me conta?
- Joga uma partida com a gente? Ali! – Aponta a mesa em que estão. – Olha até quem está lá! Veja se num é Monev lá da loja?
- É mesmo. Bem que eu até converso um pouco, sabe. Estou ainda apreensiva com o que aconteceu entre ele e o Cris.
- Quiii... Relaxa que essa história já num tem. Fiquei sabendo que os bicho tão até trocando idéia de boa. E que, se pá, Cris vem aqui hoje. Não sabia?
- Não. Depois que agente terminou nunca mais agente saiu nem se falou. E por falar nisso se vocês confirmarem a presença dele me avisem antes, tudo bem? Num estou muito a fim de entrar nessa de unir conflitinhos afetivos no mesmo ambiente.
- Pode deixar que dou o toque.
Tenho que fazer o papel ridículo de quem num sabe nada. De que estou ali de passagem. Daí com uma ou duas partidas que jogarem e seis ou sete cervejas que beberem já estarão altos e me olhando com cara de desiquilibrados, seguramente. Acho que vou me divertir um tanto.
Seduzo Monev e o deixo embriagado. Ele já me chama para sentar mais a fora por conta de mostrar um terreno no alto do morro onde a vista a seu dispor é impressionante...
- Vamos para lá? – Intervêm ele com aflição.
- Prometo que chegaremos em dez minutos. Aposto que nem vão notar que saímos. Daí ligo e peço para irem em seguida lá para casa. Pegamos a farinha e vamos pro meu escritório.
Típico. O cara tem um plano todo na cabeça. Proposição por proposição. Vai ver até que já é antigo e seus amigos, sabendo disso acham até interessante o fato de serem “trocados por uma dama” como amam comentar que adoram ser.
Na noite o que há de mais previsível é o homem, posto que poucos sabem se esgueirar nas sombras que à lua escapa. Acham que nada se constrói e esquecem que é nas sombras, onde se encontram as coisas perdidas que nunca serão descobertas de dia.
Monev quer tudo imediatizado pela segurança de sua circunstância. Mas, tudo bem. Imagine se ele soubesse que seus oito HD’s com os arquivos da revista de março de 2000 a dezembro de 2008, estão em cima de um pé de jamelão. Junto com sua coleção de piercing’s que nem sei quantos anos tem o mais antigo; e que na parede de fundo de seu escritório está escrito um enorme: Otário!
Nem se fala... Ai se ele soubesse...
Glauco estava com Jônatas que sorria aos berros por ganhar partidas seguidas em cima do coitado. Na mesa de centro, um pessoal divertido conversava baixo umas conjeturas que aparentavam ser sobre música e filosofia. Eram todos homens. Estavam tão bêbados que não dava para olhar diretamente em seus olhos. Cada lance de sinuca virava uma piada. Falavam baixo. Mas, riam como os porcos relincham. Será que todo mundo bêbado rir grosseiramente alto? Pareciam também tecados. Deviam ter rasgado um baralho violento.
Enfim, sei que a conversa com Monev estava até boa. Gosto do papo dele por que tem a manha de fazer uma história se ligar na outra como ninguém. É um contador de histórias nato. Também por que já viajou o mundo inteiro e é hiper-ativo com as palavras e conta caso aos bocados.
Resolvi dar uma colher de chá para ele. Pediu-me um beijo, eu dei. Mas, no espasmo da embriaguez ele me veio:
- E tu e Cris, como andam?
- Fiquei sabendo que ele virá aqui hoje, de modo que terei de partir daqui a pouco. – Respondi no ato.
- Então vamos comigo agora! Creio que ninguém vai dar bandeira. Agente fala com a galera para dizer a ele que eu não vim ao encontro. E você de fato não tem nenhum motivo especial para estar aqui. Não é mesmo? De modo que não há como ele suspeitar. Que tal?
Cris marcou mesmo com eles? Se ele aparecer aqui vai formatar um jogo muito perigoso. Mas, creio que não. E ainda, ele deve estar agora dentro da casa do tio do Glauco, levando as pratarias e jóias. Virado num Menegeth escorregadio pelos telhados das Mansões do Rio de Janeiro na década de 1920.
Mas, o que vale dinheiro mesmo são os documentos de engenharia, posto que o tio do Glauco desenha arquivos de protótipos para várias empresas automobilísticas. Cris disse que sabia onde estavam estes documentos e como consegui-los. Vejamos.
- Oooi.
Veio Monev interferir meus pensamentos, passando a palma da mão dando tchau na minha cara.
- E aí, está viajando? Vamos ou não? Se bem que podemos ficar no escritório mesmo...
E agora? O que faço? Ah! Vou levá-lo para fora e ficar conversando besteiras, enrolando. Darei a entender que aceito seu convite. Daí dez para cinco tomo um ônibus e vou para casa. Já estão dando quatro e meia. Preciso preparar algumas coisas antes de ir me encontrar com o Mino. Principalmente resgatar a mochila. Já estou ficando agoniada.
A rua estava vazia. Não havia mais nenhum outro boteco aberto. Só uma barraquinha de cachorro quente que dava de frente para a sala dele. Num é que bem na hora que estávamos saindo da sinuca junto conosco saíram também os bêbados filósofos! Monev não sacou nada. Ao menos é o que deu a entender.
Cantarolavam músicas do Cartola.
Quando eu menos esperava uma ação excêntrica vinda daqueles malucos, um do cabelo grande vestido com calça social cinza, blusa marrom com um estranho símbolo impresso no peito esquerdo se lançou exatamente onde a pouco eu havia subido para entrar na sala de Monev.
Só que, puta merda, fiz menos barulho! Os vizinhos ouviram sua ruim performance no andarilhar por cima das telhas de metal e danaram a gritar:
- Êi, êi!!! Haaaaa!!! Haaaa!!!
Como homens das cavernas.
Num ímpeto de raiva o morador da sala sob o escritório de Monev arremessou o que parecia ser uma tampa de gaveta. Nossa! Foi quase! Por um triz não acerta a cabeça daquele louco. O que haveria ele de fazer ali? Só que por dentro eu estava achando ótimo já que aquilo poderia ser um álibi dos melhores.
O maluco saiu correndo e entrou pela janela de Monev que se desesperou:
- Fique aqui e me grite se o filho da puta sair. Vou ali chamar Jônatas para agente quebrar a cara desse desgraçado.
Eu me ria por dentro inteira. E pensava: - Covarde nem para bater em bêbado serve.
Daí o maluco saiu da janela e lançou-se de uma altura mais ou menos de 4 metros ao chão por trás do prédio de Monev e desapareceu. Fiz o que ele mandou. Gritei:
- Monev!!!
Ele chegou desesperado me perguntando o que havia acontecido, eu disse – Ele pulou e sumiu no meio daquela escuridão ali.
Tomaram do carro, Jônatas e ele, foram atrás do maluco.
Pensei em ir embora, já que seguramente os vizinhos chamariam a polícia e sobraria para mim testemunhar qualquer pendenga que acontecesse. Ainda mais que dono de bar, para livrar sua cara, acusa é todo mundo e logo solta uma do tipo: - Aquela dali também estava no meio!
Enquanto isso Glauco se dirigia para o escritório. Tenho que me ir. Havia um táxi parado na frente do bar. Devia ser de outra pessoa. Pensei em tomá-lo, mas, na verdade fiquei preocupada: Como haveria de resgatar minha mochila depois dessa? Pensei. Vou esperar os meninos voltarem. Daí eu vejo o ânimo deles. Não posso ficar aqui. Não mais.
Vou pegar a mochila agora. Glauco a essa hora já sabe de toda a presepada. Já deve ter ligado pros meninos. Estou vendo tudo já. Deu bosta!
Pensando bem não foi uma boa ter ido ao encontro deles no barzinho. Nossa! Tem muito elemento contra nessa história. Mas, puts! Como eu ia saber que um infeliz agiria daquela maneira, como um louco varrido? E ainda, será que Cris virá mesmo aqui hoje? Não venha, meu amor, senão será a maior roubada...
Será que está dando tudo certo com ele? Eu ao menos já tirei meu corpo da cena. Será que ele foi pego dentro da casa? Deus e o livro, nem pensar...
Bem, como sempre faço: respirei fundo e dei a olhadela geral. É isso: Os bêbados músicos! Estavam de carro.
Lembro-me que ainda a pouco quando um deles inventou de subir no prédio alheio, acordando todo mundo como um paspalho e o cidadão tacou-lhe um pedaço de pau, outro se indignou a gritar: - Ta maluco cara! Por que você tenta agredir meu parceiro?
É mole?
Rapidamente me veio a cabeça que se Glauco me ver com eles pode suspeitar de alguma coisa.
Dois saíram de carro nesse tempo. Ouvi que era por conta da polícia. O outro maluco saiu correndo atrás do amigo que se meteu a dar uma de louco. É, não havia o que fazer. Já vejo até meu ônibus virando a esquina lá em cima.
Vai dar tempo. Saio correndo por trás do prédio, chego no jamelão, pego a mochila e volto correndo para tomar o ônibus. Sem olhar para trás... Dane-se! Com sorte Glauco estará averiguando o prejuízo. Não! É se arriscar demais. Vai que eles chegam bem na hora, sei lá...
Tá! Ligo para Ingrid daqui mesmo e falo com Glauco em seguida. Peço a ela que venha me buscar e digo a ele que irei embora. É isso.
Por sorte Ingrid estava na noitada e, a ponto de partir para casa. Pedi a ela se podia me buscar na quatro.
- Claro menina! Estou já passando aí.
Foi rápido que ela chegou. Não esperava. Assoviei para Glauco e disse para me avisar de qualquer coisa que acontecesse depois. Saímos.
Ingrid estava sozinha. Coisa que não acontece muito. Contei o caso para ela da parte que o insano subiu no escritório de Monev em diante. Deu umas boas gargalhadas por que acha bem feito acontecer essas coisas com Monev já que pela sua lente ele é um tremendo filho da puta.
- Será que posso passar essa noite na sua casa? Tenho de sair as seis. Já daqui a pouquinho. Juro que não incomodo. – Indaguei.
- Claro meu bem. Sem problemas.
A casa dela é bonita que só. Construída toda na madeira. Um terreno imenso com plantas por todo lado. Na entrada se percebe o zelo que sua mãe tem em misturar os ambientes. É tudo no vitral de modo que quem entra pela frente é capaz de observar todo o quintal até a sala de estar que dá para os fundos, onde também tem outro vitral como parede.
- Ingrid? Você num vai acreditar, mas, esqueci minha mochila no escritório do Monev. Posso ir com seu carro lá buscar? – Soltei essa!
- Vai lá! Toma a chave e entra sem fazer barulho depois. Se demorar mais de dez minutos chegará aqui e estarei dormindo.
- Não se preocupe. Eu volto e ao sair pela manhã deixo um bilhete.
Tudo armado.
Ingrid é muito complacente. Pedi três coisas em menos de uma hora e ela me concedeu todas com prazer.
Paro na rua da área verde onde está o jamelão. Entro no beco e recolho a mochila, tomando cuidado com os cachorros. Tudo certo. Vou ligar pro Cris. Beiram as 6h15 já.
- Oi Mino.
- Onde você ta?
- Na frente da casa da Ingrid.
- Não vem não?
- Estava preocupada com você.
- Não se preocupe. Deu tudo certo. Temos que partir o quanto antes.
Havíamos combinado um mês atrás uma viajem às escondidas. Já que para todo mundo não estamos mais juntos. Ele disse a todos que comprou uma viajem para Bahia e eu estou de passagem comprada para João Pessoa. Minha tia até me deu uma grana e acha que estou deprimida por conta do fim do namoro até hoje.
- 6h15 em ponto! Vamos, entra no carro e vamos nessa! – Disse Cris quando me viu chegar.
Tacou-lhe um beijo em mim que estremeci.
- Rodolfo está nos esperando e disse que já tem o dinheiro. Todos os 30 mil. Disse que ao pegar a mercadoria deposita na hora em nossa conta conjunta. Devemos chegar lá umas 8h. – Disse ele com muita confiança no espírito, passando a mão macia em meu rosto e rindo um riso amistoso.
Fico pensando se der alguma coisa errada. Mas, se eu falar ao menos um “a” com ele sobre isso vai me vir com sete pedras. É melhor deixar para lá.
Não é que entregamos tudo com exceção dos tais protótipos de carros em arquivo - que sei lá o que Cris irá fazer com eles - e Rodolfo depositou na mesma hora e, na nossa frente, a grana!?
Saímos rumo ao aeroporto de Juscelino. Troquei minha passagem. Tomamos vôo no ato pro Peru já faz três meses e nunca mais comentamos nada sobre este incidente.
Somente Ingrid que me escreveu um e-mail dia desses, dizendo saber de tudo e, que descobriu por que se encontrou com Glauco que disse ter passado aquela noite no escritório. Ela perguntou se por um acaso ele havia me recebido, quando fui buscar minha bolsa.
- Foi buscar bolsa nenhuma! Somente a vi quando vocês saíram juntas. Não mais. – Respondeu ele prontamente.
Ingrid disse ainda que outro dia Glauco havia lhe avisado que seu tio lhe acusava de roubo por conta que na noite do acontecido o responsável por sua casa era ele, Glauco, que tomava de conta da mansão enquanto seus familiares viajavam. Deu o maior bafom.
A danada pediu que eu confiasse, enquanto não mentisse mais para ela.
- Me avisa sempre onde estiverem por conta de se eu ousar fazer o mesmo encontro com vocês!
Que mocinha... Jogou um belo verde, soube de tudo e ainda me tem nas mãos.


***

Nenhum comentário:

Postar um comentário