Viu-se diante arcanjos que lhe adiantaram que os amores loucos que sentia pela imagem que criara em mente fariam dele um fracasso. Cego, não entendia o porquê de estar condenado a uma distância ininteligível de mundos, já que o amor da juventude predito no Banquete é o mais antigo dos deuses e, para tanto, como um deus não haveria de estar nunca privado de transitar por entre os planos.
Quando sentiu em seu corpo a gélida sensação de não perceber a presença viva de sua amante, tragou num gole o restante da Boi Parido. Vislumbrava uma empresa de que caso o álcool lhe rasgasse o fígado nem se pronunciaria ao fato de que sequer tocou na moça.
Não havia sentido continuar essa ilusão enfurnada em sonhos dos quais a embriagues - já por dias - consumia.
Em tal tempo, ele a viu aproximar sigilosa. Disfarçada em vultos que a lucidez desapercebia. N’outro gole lhe veio novamente, agora com um rogo instalado no irrefletido – Venha encontrar-me...
Onde? Como? O por quê para ele era certo.
Rente ao chão, lançou um dos braços na captura de uma faca que lembrava estar na cozinha jogada, por conta de ter nesses dias usado como chave de fenda para parafusar um suporte.
Esquecia-se que há muito saíra de casa e estava agora dividindo espaço somente com as sete garrafas de Boi Parido guardadas numa grande sacola de couro costurado em remendos junto a alguns livros...
Olhou o ambiente da construção onde estava.
Prédio antigo, há muito abandonado. Lembrou-se de saltar o muro e se dirigir pro terceiro andar.
Sentia-se em qualquer sala.
Não fazia sentido continuar tão ávido por detrimento em compromisso tão incerto. Mesmo assim se entregava. Acreditava
Retorcia-se, amargurava-se e pensava individualmente que ela haveria de estar sentindo o mesmo...
Individualismo? Não? Se todos os seus desejos se encaminhavam para o encontro de tal amante que lhe interrompia até a própria sobrevivência, fazendo com que o atordoado poeta largasse a ilusão da vida na crença de que ao fim de tudo a encontraria? Loucura!
Tudo estava sendo movido por uma vontade constante de tê-la em seus delírios milhares de centenas de vezes, pois só assim ele se sentia forte em absoluto para buscar em qualquer plano a felicidade infinita em controvérsia da tristeza. Mas, para aparecer ela se demorava.
Tal paixão insana era tanta, de quantidade desumana. Compreensível se entrarmos no empirismo de conhecê-lo pessoalmente e sentir de perto a rajada emocional que dele aflora, envolvendo seu complexo entusiasmado de somente ditar sobre como seria a ocasião de encontrar seu amor distante.
- Nunca desista de sua atração por meus anseios. Apareça em minhas alucinantes conformidades.
Dizia ele mais a si que aos outros, achando que talvez sua esquizofrenia amante o escutasse mesmo há anos luz de espíritos metafísicos distantes.
Foram três semanas sem dormir e a meditar com calma. Nem toda a agonia que reluzia de seu peito... nem toda a desesperança medonha que sentia o fez esquecer de tão mágica aparição.
Seus olhos dormentes não conseguiam sair da vigília catatônica que malograva sua liberdade.
Lembrou-se por hora de sua mãe, mulher honrosa, amorosa em todas as horas e altamente religiosa. Tinha o aspecto físico frágil com reentrâncias nas omoplatas, deixando à mostra a forma magra de seu corpo, quando aleatoriamente põe um top que realça e cobre o busto de negro como seus olhos, por onde se percebe alguma espécie de sentimento oblíquo.
Deu uma risadela de canto de boca e lhe veio em mente que sua irmã mais velha não conseguia discernir de nenhum modo as situações que o mundo lhe impunha. Isso lhe veio puxado pela insinuação do riso. Concluía que ela era burra feita uma porta. Por ser baixa em altura se fez arrebitada
Cárila é o nome dela. Algo em torno de um metro e sessenta de altura. Seios grandes e robustos. Os dentes se mostravam a qualquer um em fascinante sorriso; todos dentro da boca. Realmente traz Cárila o ar da beleza. Mas, irrompe de abusos no descoloramento dos pêlos para fazer render uma vaidade que somente à classe média cabe gosto.
Inara... Recordou-se de súbito. Sua irmã mais nova. Tinha por ela carinho particular e extremoso. Gozava de quatorze anos da puberdade que nessa idade é que se impõe eterna. Era forte em temperamento e astuta
Sucessivas lembranças lhe fizeram refletir sobre como ocorreu dele ir parar naquela saleta que cheirava a cimento batido e pó de areia.
Foi numa tardezinha onde gastava a sorte lendo Augustos dos Anjos, ouvindo Cartola e Noel Rosa. Numa tarde distante de perceber seu errôneo sentimento, pois não reconhecia que aquilo que lia e ouvia servia por certo como absoluto de suas verdades e que sempre haveria de excitá-las com violência. Insistia assim, mais burro que sua irmã, em algo inadequado. Algo que não tinha. Que não existia. Desta maneira foi que sucumbiu. Decidido a apenas ser junto duas pessoas sem nem ter por base o que haveria lhe causado tal desatino. Dizia que tratar a essência como este delírio funcionava como catalisador de suas psicoses.
Tratava-se, na real, certamente de um ardil para tornar surreal qualquer imagem ou ato. Desta maneira não me espanta o fato dele “ver coisas”.
Trazer imagens do inconsciente de olhos abertos.
Acordado e são!
Teorias malucas...
Depois de nove anos de estudos filosóficos dentro da sutil involução retilínea que existe em frente ao mundo acadêmico no ocidente seus delírios falavam alto e tomavam conta de toda sua energia vital. O guiavam por caminhos onde se instala a loucura que reduziu nosso amigo a um ordinário demente estupefato diante mil vultos de mulher que ele dizia ser sua amante.
Ao findar daquela mesma tarde de paredes rabiscadas com mantras ebós de orixás e ditos de alguns sábios pensadores em seu quarto deu de ter convulsões características da incorporação de entidades. Sua cabeça não se cansava de bolar perguntas e nelas inculcar qualquer tipo de argumento que fosse de encontro ao fato dele ter de se entregar de vez a sua amante imaginária.
No meio de uma lenta e extensa tontura suava frio com a respiração forte. No chão estava em estado febril. Olhou a aresta da parede onde lhe interessava o filtro dos sonhos dependurado em um prego a um palmo da quina. Daí começou a ouvir ruídos. Enlouqueceu. Gritou alto.
Pegou a bolsa de couro costurado, uma peça de roupa, os livros, 90 conto e saiu do quarto num pulo que o fez ter de encontro esbarrado com sua mãe. Os dois pasmaram-se por um momento, quando nosso amigo soltou outro grito enlouquecido e gritou tais palavras a seu cachorro:
- Só a embriaguês torna são um homem louco!
Correu pela rua até encontrar um armazém de bebidas. Comprou sete garrafas de Boi Parido e foi andando, com uma delas já de goles após ter posto as outras na bolsa.
Já estava escuro quando encontrou a construção, pulou para dentro e na sala em que se encontrava e no que desmaiou sonhou com a imagem de uma mulher que ele havia esse semestre configurado na cabeça. Ela aparecia linda com os braços pintados de verde, um belo cocá vermelho na cabeça e um saião de seda de um branco transparente. Trazia os pés descalçados e os seios nus.
Ele foi felino em abraça-la. Tacou-lhe um beijo e ela contribuía jorrando desejos pelos poros. Amaram-se durante horas de sonho até que ele despertou ainda ébrio.
Procurou outra garrafa de cana por conta de ver se novamente desmaiava. Foi capaz de finda-la toda em três goles. Não desmaiou. Daqui que lhe veio o recado do outro mundo e a agonia de buscar a faca para cortar seus pulsos. Quando percebeu que estava em meio aos escombros da construção, levantou-se num salto ágil e, avistou algo brilhante vindo da paisagem que o buraco da janela dispunha. Era “ela” com a mesma forma e vestimenta que apareceu em seu sonho. Desesperado, nosso amigo quis correr ao seu encontro, mas, os três andares lhe impediam.
Enquanto ela se aproximava o sol nascia fazendo cócegas no horizonte. Na busca de enxergar a imagem que sumia nos raios da estrela, nosso louco ficou cego, quando de todo o sol disposto.
Era dia. Ela havia desaparecido. Ele se frustra enquanto urina para dar lugar a mais uma garrafa de Boi Parido.
Quando do seu olfato não agüentou mais o cheiro do álcool misturado com os ácidos que iniciam a digestão no estômago foi que deu a compreender que a morte viria se ingerisse ao menos mais uma gota da bebida.
Revirou-se por entre os escombros e sem querer sentiu um papel na mão que puxou
Mas, aquelas aguçadas intromissões neurológicas já estavam passando dos limites. E como tudo o que chega ao ápice tem seu devido declínio subseqüente, achava ele estar no fim de uma situação, onde qualquer circunstância poderia desregular o caminho do seu destino.
Como a sobriedade já estava tomando conta de sua consciência ele abriu outra garrafa e começou a degustá-la com uma lentidão tão profunda e oriental que parecia ser a última.
Aos pouco foi novamente entrando no ar obliquo o qual se encontrou por algumas vezes enquanto narro esta história.
Às vezes, quando existe a idealização de um ser dentro da consciência humana, esta se desprende da sanidade em variáveis níveis de dormências musculares, numa excitação sem freios a determinado aspecto que chega até a espreitar sonhos alheios, esperando que esses lhe sirvam de alimento. Sonhos esses que também contribuem para uma sonâmbula fluidez que vagarosamente se deixa acordar como parte de um despertar vagabundo que se sente satisfeito apenas com um bem dado amplexo.
Não me recordo há quanto tempo e nem quantas garrafas tomou nosso amigo desde que saiu de casa. Apenas tento entrar de forma um tanto grotesca e inusitada na sensação de desprezo por tudo o qual ele se encontrava; na sensação de total afeto esquizofrênico que lhe acometia e também em sua entusiasmada busca por uma unificação etérea de freqüências, onde pudesse deslumbrar um ser e o sê-lo e com isso se aprazer da mesma água que a gente sendo fogo apaga e do mesmo fogo que pela água a gente se deixa apagar de loucura.
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