sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O caso da Bealsdona (Conto Tentativa V)

Era incrível como todo mundo morava na mesma quadra e por contingência geográfica não na mesma rua.
Douglas morava no F. Marley no E. Eu no D. Thiago no C. Regina no B e, finalmente Danilo no A. Combinamos de, do F para o A, ir subindo pelos becos das ruas, passando de casa em casa até chegar.
Sempre foi assim na real... A galera era colada mesmo.
Claro que ninguém passava lá no Douglas. O F dava para um brejo cabuloso. Da casa dele só se sai-saindo, por conta de depois do brejo não haver nada. Só mato. E todo o comércio se encontra na outra direção.
Quando chegaram Marley e o bicho lá em casa estavam os dois grilados por conta das histórias de um primo tal que havia lhes contado sobre os efeitos colaterais da plantinha bonitinha e cheirosinha. Diz-se que essa parada é abortiva! Que você nunca mais pode voltar da lombra. Que sempre deixa seqüelas naqueles que a experimentam.
Seqüelas... Como estados de demência, onde a pessoa se comporta de maneira um tanto retardada em situações cotidianas.
Dei valor não, ainda mais que outro dia a gente tinha feito uma seção de cogumelos. Passamos sete dias na loucura. E daquela vez, também soavam boatos sobre o caso de um maluco de skate doidão de cogú ter parado em frente a uma bomba de gasolina e danado a atacá-la com o lado dos truques e das rodinhas. Enquanto golpeava, veio um frentista e deu-lhe um encontrão. Voou uns dois metros e pôs-se a chorar.
- AArrrhhhh! Meu amigo está lá dentro. Arrrrrrhhh! Meu amigo piriquito!
Nossa! Meu irmão, que doidêra.
Outro caso de mesma ocorrência foi que o Farofa chegou em casa na madrugada e ligou o som na maior das alturas. E cantando junto e bebendo sabe lá deus o que, foi interrompido pela mãe.
Toc, toc, toc.
- Menino! Abaixa este som que já passam das cinco horas da manhã, pombas!
Farofa abaixou o som e não deu dois minutos baixou no quarto de seus pais, escorregadio pela porta tipo o Kramer do Seinfeld.
- Mãe! Vamos lá para a cozinha que temos de preparar comida para quatro pessoas amigas minhas que vieram dormir aqui e estão mortas de fome!
O pai do bicho indignou. Pulou da cama já gritando puto o por que diabos pessoas estavam na casa dele aquela hora e o por que demônios não lhe tinha o Farofa avisado.
Foi um passo pro quarto do Farofa e lá não mirou absolutamente ninguém.
- Puta que Paril! Você deve estar de sacanagem com a nossa cara! Liga o som numa altura sem limite na madrugada e ainda vai comprar desaforo com a sua mãe de fazer comida para ninguém! Como assim? Você só pode está drogado seu moleque!
- Qualé pai, não delira! Está vendo não? Este é Rodrigo. Aquela Micaela. No canto ali tá o Francisco e esse do teu lado é... Como é mesmo o seu nome?
Nossa... O bicho saiu apontando o vento e dizendo sério que no vazio havia pessoas que conviviam conosco. Tipo espíritos. Deu até nome a eles... Até esqueceu o nome de um deles!
No dia seguinte o Farofa foi internado. Ele até hoje anda meio alucinado.
Por vez não é que convidou Regina e eu para irmos numa cachoeira que dizia saber onde ficava!
Veja bem. Chegando lá, era um poço de 1X1 e um filete d’água que despencava garoa de uns nove metros de altura.
Tomar banho ali só de cuia. E no mais tem que jogar a água nas costas. Horroroso! Voltamos para trás.
Quando na pracinha trombamos o Glauco - que foi quem esparrou a lombra do Farofa pra gente - o próprio Farofa marcou pro dia seguinte nos guiar até outra cachoeira mais distante, seguindo o curso do rio lá do poço de 1X1.
Rolou. Foi até mais gente. Chegamos ao poço e daí o Farofa disse que tínhamos que descer pelo rio.
Lá fomos.
Andamos por mais de cinco horas seguindo o curso por dentro.
Tinha um mano com um cachorro pastor, bonitão. Outro que levava vários suprimentos indispensáveis dentro da touca para não molhar, tipo cigarros da geral, fósforos, esqueiros, cedas, os do verdim, etc. - caiu no caô de que quando o rio faz barriga se tem de passar pelo meio. Só tinha eu sabido dessa para barcos...
Foi lá o pastel pelo meio... Afogou até a cabeça. Conseqüentemente molhou todas as coisas.
Interessante é que no final aconteceu algo quase parecido com o pastel lá do cachorro... Só um momento.
Sim. Chegamos até a cachoeira. Farofa correu por sobre uma pedra e se jogou. Para mim o bicho tinha se matado. Quando penso que não, um poço. Pô. Massa!
Para quem conhece é a da Embrapa. Aconchegante e com águas boas de se misturar. Dominamos no ato. Mergulho, zoeira e se jogar nas pedras morto de nadar pra fritar igual um calango.
Mas, os malucos eram meio babacas. A conta de tu dormir que te sacaneavam. Fato surreal foi a havaianada no ovo que o Jander deu no maluco da touca.
No ovo, de fazer mancar três dias.
O Farofa tomou foi um queimadão de lagarta.
Sem limite!
Mas, engraçado foi o truta do cachorro que ao final disse ter sido o mais esperto por conta de ter levado uma roupa extra e que nós estávamos todos sujos e molhados por conta de termos feito a caminhada pelo rio. Ele lá todo pu pu pu caminhando pelo caixalete de concreto que tem, onde passa a cachoeira e ao meio se encontra uma espécie de caixa d’água. O maluco lá de boa, tirando onda e lavando os pés e, de repente: Timbumshua! Ficou pelos cotovelos se apoiando no concreto e pedindo ajuda para sair.
Tinha um buraco no meio da extensão do concreto e o bicho caiu dentro da caixa d’água e se molhou inteiro! Quase se afogou. Risadas a parte ele voltou todo molhado para casa e se imundiçou no caminho.
Enquanto íamos em direção à casa de Thiago dei de contar essas histórias.
Beirava já umas três e meia.
- Êi pessoal! Silêncio aê, rapidão! Xiiiii. – Pronunciou Marley insinuando vozes que pulavam por trás de um dos muros do beco.
- Curte só. Acho que tem um casal discutindo. – Continuou.
- Poxa vida. Eu não fui feita para ficar sozinha. Faz 13 anos desde que nos vimos pela última vez. Eu estava tranqüila sentada na saleta da varanda e você chega do trabalho sabe lá com que moléstia e diz que vai me abandonar, sendo que não faz nem três semana que chegou?
Percebe. Uns barulhos esquisitos de facas tilintando sobre a mesa e suspiros profundos demonstrados. Não sei nem se a moça estava falando com o marido, com o filho, com o primo ou com a parede, só que não se ouvia resposta. Daí já num é discussão.
- Eu preciso ir. Não dá mais para ficar aqui nessa vida. Tenho de rumar para outro canto imediatamente. Você tem que entender. Daqui três anos eu retorno. Agente termina de conversar.
Outra voz de mulher.
- Mas, estou quase para morrer! Em três anos talvez eu já não esteja mais aqui minha filha!
Ah. Agora sim. Deu para sacar que é discussão de mãe com filha.
- Se for o caso de você morrer eu venho imediatamente. Não se pode evitar esse tipo de coisa. Estando eu aqui ou não você vai morrer. Até eu posso morrer pra onde vou. Talvez seja a senhora quem irá em meu enterro.
Caramba. Bolei com esse comportamento. Do tipo muito dôooido e... de rocha.
- Papai chegará em uma semana. Não há com o que se preocupar. Irei sair esta noite e não precisa me esperar. Deixe as coisas como estão e vamos seguir as nossas vidas separadas. Não quero ter de cair na desfeita negativa dos pesos do passado.
Rancores, depressões?
Fraquezas de espírito, isso sim.
Eu já não tenho nada a ver com tudo isso aqui que vocês chamam de família. Se Ingrid me ligar, por obséquio avise que a amo e que em breve iremos nos encontrar. ­
Terminou o discurso dela enquanto passávamos para outra área verde.
Dava para ouvir. Mas, na verdade isso é o que entendemos que estava acontecendo. Ouvia-se também soluços distantes, meio de criança depois de um xorerê.
- Thiaaaagooooo!
Gritou Douglas, forçando os braços contra a muretinha da casa e impulsionando um salto que o colocou sentado com as pernas viradas para dentro do quintal.
- De qual é, seus comédia!? Vamos seguir? Acabo de falar com o Danilo e a vó dele já saiu faz tempo. Por conta do quê vocês demoraram tanto?
Saiu Thiago descalçado, virado num andrajo.
Thiago fala. Parece que tomou água de chocalho. Assim diz minha avó quando ele vai lá em casa.
- Esse menino fala mais que o homem da cobra. Parece até que tomou água de chocalho.
Ainda mais de férias. Sem nada para fazer, tendo que saltar de bicos para render um troco...
Curioso o fato de quando ele está de trampo se cala. É de se ver. Mas, do contrário, fala... De causar vertigem em bêbado.
Para seguir e confirmar, disse ele:
- Ontem fiquei nas madrugadas acompanhado por uma obra magnífica.
- Ah é? E qual foi? – Retruquei seu gosto.
- Por um acaso você já teve o prazer de ler Reflexões sobre a vaidade dos homens? Livro definitivamente magnífico!
- Creio que ouvi falar. Não seria de Matias Aires?
Tinha outrora me ido com uma colega pesquisar livros em um sebo. Lembro-me de ter sido ludibriado pelo vendedor por cálculo desse livro que comprei por 6 pratas. Barato até teria sido se o seu conteúdo fosse mesmo o de seu titilo. Não era. Comprei uma coisa e me veio outra dentro. Não ousei lê-lo inteiro ainda, mas sei que não tem nada que ver com Matias Aires ao passo que trata de astrologia e da expansão de satélites artificiais na órbita terrestre... Só isso. Vamos ouvir Thiago.
- Olhem que no ontem a noite fui ter de encontro com uma moça e, no ínterim, para resumir, fui arrastado pela madrugada. Fiquei sentado na rodoviária lendo Reflexões sobre a vaidade dos homens. Como já tinha puxado um basenight e estava já ressaqueado de tabaco e cerveja, li como se faz com livros de conselhos espirituais, onde se fecha os olhos, pensa em uma situação trivial da vida e abre em quaisquer página. Já havia eu feito isso com outro autor. Passamos a noite inteira no apartamento do Diógenes perguntando coisas para o livro. Foi engraçado e, vai por mim, caso escolha o livro certo ele te diz tim tim por tim tim o que está rolando. Foi nessa que todo mundo embarcou naquela piada interna de ao invés de se falar - numa situação de negação - Deus me livre, a galera fala Deus e o livro! Lembrei também da vez que o Chico viajou de interpretar as imagens contidas em alguns livros satanistas. Umas pinturas renascentistas com demônios degolando anjos e bruxas mágicas sobrevoando os ares, lançando raios pelos dedos sobre os deuses do Olimpo! Tudo só para loucos!
Toca o telefone de Douglas. Salvos pelo gongo.
Douglas se afastou mais, indo de passo longo para casa de Regina.
Thiago prosseguiu.
- Aquele maluco. De pé no teatrinho de arena que tinha lá em Sobral. No alvoroço do tapa da embriaguês, lançando verbos sobre a verdade contida por trás das imagens de Lúcifer. Três, sentados na escadaria alterados pelos desacordes das notas apanhadas com agressão do violãozinho guerreiro que já pulou até muro de casa dos outros para fugirmos da polícia. Todo mundo num berreiro periculoso. A gente fumando erva atrás do Ponto Frio. Da vez que o segurança sentou o aço na reta do Chico por conta dele ter dado com o caibro em sua cabeça. Somente zoeira fí. Naquele tempo era terror e pânico!
- Olha só. Regina me ligou e já está lá com o Danilo. A féla nem esperou. Mas, também a gente enrolou para caralho. Disse que o chá já está é pronto e que Danilo já tomou a dose dele.
Informou Douglas que já ia de virote no beco para rua do Danilo.
Dei umas passadas longas tipo final de corrida. O povo me acompanhou.
Chegamos dois palitos.
- E aí geral?
Nos recebeu Regina. Os cabelão bonito de caracol na cabeça.
- I aê! Cadê o Danilo? – Perguntei.
- Da hora que liguei pra vocês ele entrou no banheiro.
Disse ela com um ar meio suspeito. Meio irônico. Meio escondendo um riso por trás de pensamentos meticulosos. Fiquei um tanto preocupado, mas, quando vi Marley enchendo a taça de cristal até o gargalo me desfiz completamente desses pensamentos.
Fui ter com Danilo afinal.
Bati na porta. Nada.
- Bóra meu camarada é a polícia! – Gritei de sacanagem.
Nada.
Uai! Deixe ele aí e ver até onde vai.
Peguei a menor taça, porém que eu achei mais bela. Com detalhes de prata e voltinhas tribais disciplinadamente simétricas conjuntando a forma de um elefante no centro. Na borda havia silhuetas douradas de um segmento de linha barroca.
Enfim, despejei o chá na taça. Para mim eu já estava em outro planeta naquele instante. Douglas já tinha tomado duas doses e transitava sorridente pela sala, repetindo em voz alta que não ia bater.
Dei minha talagada. Urg! Gosto péssimo. Tanto que devo ter feito uma péssima cara, pois Thiago se acabou de rir depois que bebi o veneno.
Sentei-me na sacada, uns trinta minutos depois que bebi, virado para a sala de modo que percebia Regina na cadeira de balanço de olhos fechados. Douglas que corria atrás do próprio rabo dizendo que não ia bater a lombra e Thiago deitado meio babando no colo da Marley que acomodava igual passarinho o pescoço escaguletado na parede. Danilo não se sabia. Ainda mais que eu não conseguia me mexer de forma alguma.
Comecei a olhar para a parede e não me parava de zunir o ouvido a voz de Douglas – Não vai bater, não vai bater, não vai bater...
Avistei uma imagem de uma cadeira na parede.
Não vai bater, não vai bater, não vai bater...
Engraçado. Via-me sentado na cadeira. E quando isso de sobressalto me passava pela cabeça o meu referencial era eu sentado na sacada. Eu sentado na cadeira olhava eu sentado na sacada. Por vez inventei de olhar para o outro lado. Via outra cadeira e eu sentado nela. Daí me vi sentado na outra cadeira e sentado na sacada, sentado na cadeira.
Isso me dominou durante boa parte do que estava eu viajando.
Quando consegui sair dessa lombra eterna vi Danilo sair do banheiro flutuando e indo em direção ao Douglas que já estava esquisitofrênico de tanto repetir que a loucura não ia bater, andando rápido. Muito rápido de um lado a outro.
- Galera! Douglas! Você ta me ouvido?
Danilo se pronunciava e Douglas não dava a mínima. O restante estavam todos despejados pelo chão. Regina ainda no sofá. Estática. Parecia que estava meditando. O que será que devia de estar acontecendo com suas memórias?
Eu poderia crer que isso tudo era viajem da minha cabeça. Mas, não.
- Êi gente! Vejam o que aconteceu comigo! Não estou dentro do meu corpo! Meu indivíduo está jogado no chão. Vão lá no banheiro! Gente! Alguém me dê ouvidos!
Danilo se agoniava nos ares. Eu não conseguia me mexer um tasco. Ninguém percebia Danilo. Era tão estranho...
Conseguia escutar tudo o que ele dizia. Conseguia vê-lo nitidamente na minha frente. Conseguia sentir sua presença. Tudo inacreditável.
Cada espasmo dado de incômodo intestinal que sentia, devido ao gosto amargo e adstringente daquele copinho floral, era um embate com meu estado paralítico.
Sentia tudo... sentia nada...
Já parecia que era outra lombra, quando Danilo me veio de testa, olhando fundo em meus olhos com o corpo no vento.
- Você me pode ouvir? – Disse ele.
Forcei a máxima obra da fala, mas meu espírito estava completamente extasiado, de forma que o sentia roçando a pele em fuga, esquecido de ser gente.
- Pooooooooosssoo...
Pensei. E no pensamento desaparecia as outras coisas. Era firmar pensamento e desistir dos outros. Mas, Danilo continuava voando em minha frente.
- Êita porra! – Gritou uma voz desconhecida de algum lugar que ouvi.
Mirei um movimento e segui com os olhos a porta do banheiro se abrindo e Danilo no chão apagado.
Fiquei de cara. Realmente eu estava louco. Mas, não conseguia me mexer e aos meus olhos os outros estavam igualmente estáticos.
Foi bem devagar e sem audição que me invadiram as imagens do imediato enquanto recobrava a autonomia de alguns movimentos. Percebia agora os outros com menor melindre. Regina já passeava pela sala ao telefone.
No ato que consegui me levantar, pensei em Danilo.
Fui ter no banheiro.
- Cara! Sai daí! Preciso usar o vaso.
Disse isso e nada.
Repeti mais outras frases e começou a preocupação. Dei algumas murrancas na porta e... nada. Pedi para parar com essa palhaçada e que daria cinco segundos para ele sair dali senão eu entraria no arrombo.
Meti o pé na porta. Danilo estava escorado com a cabeça no bidê que transbordava em água e sangue. Algo escroto morto. Enfadonho.

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